Como Zagallo revolucionou sua posição e eternizou a seleção de 1970 num 4-3-3 que nascia

Ponta-esquerda conhecido como Formiguinha, o Velho Lobo voltava para marcar, e introduziu essa consciência no time brasileiro



Eram quatro da tarde e um carro de oficiais parava à beira do treino do Botafogo. Dirigentes da então Confederação Brasileira de Desportos (CBD) praticamente convocaram aquele que já era um ídolo da seleção, em seus primeiros anos na nova carreira de treinador, para comandar o Brasil. Faltava pouco mais de dois meses para a Copa do Mundo do México, e o Brasil vivia horas de incertezas após a demissão de João Saldanha, que havia classificado a equipe ao Mundial. O que começou numa tarde pacata terminou em centenas de livros da história do futebol como o time que encantou o mundo.

Não era a primeira experiência de Zagallo como comandante da seleção — já havia o feito em jogos isolados em 1967 e 1968 —, mas foi o momento definitivo, mesmo com tudo que viveria posteriormente. Com o time para aquela Copa praticamente definido por Saldanha, precisou modificar pouco a pouco algumas peças até encontrar o grupo ideal que tinha em mente. A seleção que ficou conhecida pelos “cinco camisas 10” é uma das equipes que mais influenciou o jogo, e segue muito atual em termos táticos.

Se hoje o 4-3-3 com dois pontas é uma das formações táticas mais utilizadas, a abordagem de ter um terceiro homem no meio-campo, que repensava o outrora popular 4-2-4, tem em Zagallo um de seus principais expoentes no mundo. Um estilo de jogo muito próprio que ele trouxe do futebol carioca, iniciou na Copa de 1958 e aperfeiçoou de vez em 1962, anos dos dois primeiros títulos mundiais da seleção.

Ainda como atleta, Zagallo era conhecido como “Formiguinha”, pelo porte físico franzino, mas de alta capacidade de correr e recompor. Atuava como ponta-esquerda, numa época em que essa recomposição, um jogador de ataque retornando quase à linha do meio-campo, era incomum. Foi o que o ajudou a fazer dupla de sucesso com Nilton Santos, outro revolucionário de sua posição, que aproveitava a cobertura de Zagallo para atacar.

—Como jogador, ele era diferente. Naquela época, só o Botafogo jogava no 4-3-3, com ele fechando o meio, como terceiro homem, e a seleção brasileira jogava assim, mais ninguém. Perguntavam, ‘mas você não é ponta, não vai na linha de fundo?’. E ele respondia: ‘vou na linha de fundo, faço o que eu tenho que fazer, mas, em compensação, eu volto para marcar, coisa que vocês não fazem’. Era um diferencial — contou Gérson, um dos “camisas 10” da seleção do tri — ao COB.

Naturalmente consciente das tarefas defensivas em campo, o Velho Lobo aproveitou do melhor que o futebol brasileiro das últimas duas décadas havia produzido e deu um toque de consistência tática ao time sem tirar a inspiração e liberdade de uma geração de craques. Na época, chegou até a ser chamado de retranqueiro, já que o time esperava muito os movimentos adversários. Mas o resultado se viu no México: ao assistir as filmagens daquela competição, a sensação de que a seleção jogava em outro ritmo em relação aos adversários é comum. É uma soma da capacidade técnica e da evolução tática que se davam ali.

Encaixe dos camisas 10


Os “cinco camisas 10” eram atacantes e meias de destaques em suas equipes: Pelé, Gérson, Tostão, Rivellino e Jairzinho. Encaixá-los numa linha de três meias e três atacantes não era fácil. Primeiro “sobrou” para Piazza, volante, que acabou recuado para a defesa, uma solução efetiva. A engenharia levou Rivellino a ser o meia pela esquerda, que procurava o centro quando queria criar e fechava a linha de meio na hora de defender.

No ataque, Pelé, Tostão e Jairzinho, todos muito técnicos e versáteis, formavam um trio ofensivo móvel e moderno. Todos faziam bem a função de ponta de lança, atacantes que afundavam no ataque e voltavam para buscar o jogo, popular naquela época. Gérson e Clodoaldo, outra mexida de Zagallo, organizavam o meio. Estava feita a formação que eternizou a seleção brasileira no imaginário popular. Um time incisivo, que tabelava ou se movimentava sempre em direção ao gol. Os “cinco camisas 10” marcaram 17 dos 19 gols brasileiros naquela Copa.

Os movimentos ofensivos em diagonal, consagrados por Jairzinho, eram frequentes naquele time, que por conta disso, desenvolveu uma consciência de cobertura e ocupação de espaços, semelhante ao que Zagallo já fazia como atleta.

— Eu ganhei duas Copas com um 4-3-3. Quando assumi a seleção, pensava que era isso que ia fazer. As mudanças que fiz foram fazer o Piazza jogar como zagueiro e trazer Clodoaldo para o time, conseguindo colocar todos aqueles camisas 10, Rivellino, Tostão, Pelé, Jairzinho e Gerson [...] Disseram que seria impossível, em tão pouco tempo, dar liga, mas vencemos — contou o Velho Lobo ao site oficial da Fifa em 2020.

Fonte : https://exame.com/esporte

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